Dispute Boards e ANTT: inovação na resolução de conflitos nos contratos de concessão rodoviária e ferroviária
Por: João Sturm, Daniela Mendes e Luis Baeta
A ANTT incluiu na Agenda de 2023/2024 o projeto de “Regulamentação acerca do Comitê de Resolução de Conflitos (Dispute Board) no âmbito das concessões de rodovias e ferrovias”. A Agência discute atualização da Resolução nº 5.845/2019 – que já trata das regras procedimentais para a autocomposição e a arbitragem na ANTT -, incorporando regulamentação acerca do Comitê de Prevenção e Solução de Disputas.
A minuta posta em discussão pela Agência estabelece rol taxativo de matérias que poderão ser submetidas aos Comitês de Prevenção e Solução de Disputas, quais sejam (i) execução de serviços e obras, inclusive definição das soluções de engenharia mais adequadas às finalidades do contrato, (ii) adequação das obras e serviços aos parâmetros exigidos pela regulação e pelo contrato, (iii) avaliação de ativos e de indenizações, (iv) análise do cumprimento de condicionantes socioambientais e (v) ocorrência de eventos que inviabilizem o cumprimento das obrigações contratuais, incluindo o cálculo dos impactos financeiros decorrentes desses eventos.
No que tange às vedações ao uso de Dispute Boards, a proposta da ANTT é que, além de todas aquelas matérias já proibidas para solução por autocomposição e arbitragem nos termos do art. 3º da versão original Resolução, não serão elencáveis para deliberação dos comitês: (i) questões de cunho estritamente jurídico, (ii) validade e legitimidade dos atos fiscalizatórios da ANTT; e (iii) legalidade de normas regulatórias produzidas pela ANTT.
Outro ponto relevante já trazido pela minuta da Agência em discussão refere-se às modalidades de Dispute Boards que poderão ser adotados nos Contratos de Concessão. Os comitês poderão ser permanentes, isto é, vigentes ao longo de toda a contratação; temporários, instituídos para a resolução de um grupo específico de obrigações; ou ad hocs, constituídos na ausência ou após a extinção do comitê temporário para serviços de engenharia considerados de alta complexidade ou de grande vulto, não previstos inicialmente no contrato (art. 29).
Os comitês serão compostos por três membros, um indicado pela ANTT, outro pela Concessionária e um terceiro escolhido em comum acordo pelos membros designados pelas partes, podendo qualquer um deles ser impugnado quando caracterizadas as hipóteses de impedimento e suspeição previstas no Código de Processo Civil (art. 30). As decisões dos comitês terão preferencialmente natureza vinculante, admitindo-se, contudo, natureza recomendatória ou híbrida, caso assim estabelecido em Edital e previamente justificado.
Uma vez instaurado o comitê, a parte solicitante deverá notificar, por escrito, a outra parte, fornecendo descrição do evento ensejador da divergência, cópia de todos os documentos relacionados ao objeto da divergência apontada e demais elementos que julgar necessários para compreensão do fato (art. 31). Atualmente, a minuta em discussão não prevê manifestação da outra parte, sendo relevante, até mesmo para garantia dos princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurar a mesma oportunidade dada à parte solicitante.
A decisão do Comitê de Prevenção e Solução de Disputas será emitida no prazo máximo de 20 dias úteis, prazo que pode ser estendido por acordo entre as partes. Em caso de discordância da manifestação emitida, as partes terão 30 dias para requerer a reconsideração da decisão, por petição devidamente motivada. A outra parte terá o mesmo prazo para se manifestar e o Comitê de Prevenção e Solução de Disputas terá 15 dias para proferir decisão final (art. 34).
As inovações ora discutidas pela ANTT trazem perspectivas positivas para a melhor governança e prevenção/resolução célere de conflitos no âmbito dos contratos de concessão. Há preferência pelas decisões colegiadas e vinculantes, que demonstram preocupação com a eficácia dos Dispute Boards, mas, ao mesmo tempo, permitem a flexibilização do instituto para melhor adequação a cada contrato.
De todo modo, ainda são necessárias alterações capazes de garantir a observância do contraditório, da ampla defesa e da segurança jurídica, a fim de que os Comitês sejam, de fato, inseridos no cotidiano dos Contratos de Concessão brasileiros com ganhos para a eficiência pública e todos os atores neles envolvidos.