O controle de segunda ordem pela ótica do TCU
Por: Igor Sousa e Théo Carvalho
Na sessão do dia 04/09/2024, o Plenário do Tribunal de Contas da União (“TCU”) negou provimento ao Pedido de Reexame da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (“ANTAQ”), por meio do Acórdão n. 1.825/2024, ao identificar irregularidades na edição da Resolução ANTAQ n. 72/2022, que estabeleceu parâmetros regulatórios a serem observados na cobrança de tarifa denominada Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE), também conhecida como THC-2.
O Tribunal entendeu que a cobrança do SSE (THC-2) é indevida, por configurar duplicidade, uma vez que a “parcela SSE sempre existiu e está incluída na THC. O nome THC-2 decorre exatamente da analogia de possibilidade de cobrança em duplicidade de algo já pago pelo dono da carga via armador (THC) quando é o concorrente do terminal
que busca a carga para armazenar”.
Assim, considerando que o SSE já está subscrito na taxa Terminal HandlingCharge (“THC”), o TCU concluiu que houve desvio de finalidade e ilegalidade na Resolução ANTAQ n. 72/2022, configurando violação ao art. 36, I e IV da Lei n. 12.529/2011, bem como ao art. 4º, I da Lei n. 13.847/2019 e aos arts. 20, II, ‘b’ e 27, IV da Lei n. 10.233/2001. Por conseguinte, determinou a anulação dos dispositivos da Resolução relativos à cobrança do SSE, além de suspender cautelarmente os efeitos desses dispositivos até que sejam anulados pela ANTAQ.
Além do conteúdo específico referente aos serviços alfandegários, a importância do Acórdão n. 1.825/2024-TCU-Plenário está no debate mais abrangente sobre os limites da atuação da Corte de Contas enquanto controladora de segunda ordem.
No caso concreto, a ANTAQ argumentou que o Tribunal anulou, por meio do Acórdão n. 1.448/2022-Plenário, dispositivos relacionados ao mérito da atuação regulatória da Autarquia, o que implicaria, em certa medida, o exercício da própria regulação do setor pelo TCU. Assim, destacou a ANTAQ, que a decisão pela ‘não
regulação’, promovida pelo acórdão recorrido, acabou por constituir indevida interferência no modelo regulatório desenvolvido pela Autarquia.
No julgamento, o TCU reafirmou o seu entendimento sobre o controle de segunda ordem, asseverando que não compete ao TCU se substituir às agências reguladoras, nem intervir nas suas atividades finalísticas. Trata-se de entendimento firmado, inicialmente, por ocasião do julgamento do Acórdão n 1.703/2004-Plenário, da relatoria do ministro Benjamin Zymler, que fixou balizas importantes a respeito da atuação do Tribunal sobre o controle da regulação e que vem sendo, reiteradamente, aplicado pela Corte de Contas (Acórdão 2302/2012-Plenário, Acórdão 210/2013- Plenário, Acórdão 402/2013-Plenário, Acórdão TCU 2071/2015-Plenário, Acórdão 2.121/2017-Plenário).
Ocorre que, no caso em exame, o Tribunal ressaltou que restou comprovada a ilegalidade da atuação da ANTAQ, devido ao desvio de finalidade na edição da Resolução 72/2022, atraindo, assim, a fiscalização de segunda ordem no presente caso, conforme os seguintes entendimentos manifestados pela Corte de Contas:
A competência do TCU para fiscalizar as atividades-fim das agências reguladoras caracteriza-se como controle de segunda ordem, cabendo respeitar a discricionariedade das agências quanto à escolha da estratégia e das metodologias utilizadas para o alcance dos objetivos delineados. Isso não impede, todavia, que o TCU determine a adoção de medidas corretivas a ato praticado na esfera discricionária dessas entidades, quando houver violação ao ordenamento jurídico, do qual fazem parte os princípios da finalidade, da economicidade e da modicidade tarifária na prestação dos serviços públicos.” (Acórdão 1.166/2019-TCU-Plenário: Relator Ministro Augusto Nardes);
“O controle do TCU sobre os atos de regulação é de segunda ordem, na medida que o limite a ele imposto esbarra na esfera de discricionariedade conferida ao ente regulador. No caso de ato discricionário praticado de forma motivada e em prol do interesse público, cabe ao TCU, tão somente, recomendar a adoção das providências que reputar adequadas. Não é suprimida a competência do Tribunal para determinar medidas corretivas a ato praticado na esfera de discricionariedade das agências reguladoras, desde que viciado em seus requisitos, a exemplo da competência, da forma, da finalidade ou, ainda, inexistente o motivo determinante e declarado. Em tais hipóteses e se a irregularidade for grave, pode até mesmo determinar a anulação do ato.” (Acórdão 602/2008-TCU-Plenário: Relator Ministro Benjamin Zymler)
Com o Acórdão n. 1.825/2024-TCU-Plenário, a Corte de Contas consolidou seu entendimento de que o Tribunal privilegia um controle de segunda ordem no trato com as agências reguladoras, o que, no entanto, não impede a sua atuação em circunstâncias específicas, em relação aos limites da redação das normas, à razoabilidade, à motivação e às suas competências legais (Acórdão 2090/2022- Plenário).