Compromisso de cooperação técnica busca articulação institucional entre STF, TCU, CGU, AGU e Ministério da Justiça e Segurança Pública para acordos de leniência.
*Por Igor Sousa e Pedro Rezende
No dia 06/08/2020 foi divulgado acordo de cooperação técnica entre Supremo Tribunal Federal, Tribunal de Contas da União, Controladoria Geral da União, Advocacia Geral da União, Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério Público Federal, com o objetivo de estabelecer as bases para uma atuação institucional harmônica nos acordos de leniência da Lei n. 12.846/2013.
Mas, após a divulgação, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal exarou a Nota Técnica n. 2/2020, na qual se manifestou contrária à adesão do Ministério Público ao acordo. De acordo com essa Nota Técnica, o acordo restringiria a atribuição legal de alguns órgãos, como a do próprio MPF, além de não contemplar a atuação de importantes instituições, a exemplo do BACEN, CVM e CADE, com possível falta de amparo constitucional e legal no Sistema Brasileiro Anticorrupção.
Ao longo dos últimos anos, a atuação do Aroeira Salles Advogados na negociação e na celebração de relevantes acordos de leniência perante a CGU e o MPF, bem como em sua discussão perante o Tribunal de Contas da União e o Poder Judiciário, tem demonstrado que um maior diálogo entre as instituições com vistas a uma atuação harmônica e coordenada era há muito necessário e urgente.
Dados da CGU registram que até junho de 2020 os acordos de leniência firmados pelo órgão, em conjunto com a AGU, somaram mais de R$13,6 bilhões, ao passo que levantamento realizado pelo MPF demonstra que, desde 2014, o órgão celebrou acordos de leniência que somam mais de R$22,5 bilhões. Esses dados demonstram que o acordo de leniência é essencial para o combate à corrupção, recuperação de ativos e preservação de empresas. Por outro lado, evidenciam também a necessidade de maior segurança jurídica em torno do tema, afinal não é crível que pessoas jurídicas se comprometam ao pagamento de vultosas quantias, sem que haja previsibilidade mínima quanto ao respeito ao acordo pelo próprio Estado Brasileiro, por meio de suas diversas instituições de controle.
Assim, a uniformização da atuação das instituições legalmente incumbidas do combate à corrupção vai ao encontro de uma necessidade antiga de coordenação dos órgãos do Estado Brasileiro, tendo o objetivo de conferir maior segurança jurídica aos acordos de leniência e de dotá-los de eficiência e efetividade compatíveis com sua relevância, viabilizando a recuperação de ativos, a readequação das práticas empresariais e o estabelecimento de novos padrões éticos empresariais decorrentes da implantação e do aprimoramento de programas de integridade.
O acordo de cooperação técnica traz algumas diretrizes que já encontram eco na jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Como exemplo, cita-se a suspensão da aplicação de sanções às empresas lenientes em razão dos mesmos fatos previstos no acordo de leniência até o completo cumprimento do acordo, proposta que já foi aplicada pela Corte de Contas em alguns julgados, como os Acórdãos n. 2.446/2018 e 1.690/2020, ambos do Plenário.
Outro ponto digno de nota se refere à fixação de balizas para atuação do Tribunal de Contas da União, em conjunto com a CGU e a AGU, na busca pela parametrização de metodologia específica para a apuração do dano a ser ressarcido por meio do acordo de leniência, incluindo a manifestação do Tribunal sobre os valores entabulados com vistas a conferir quitação quanto ao ressarcimento de danos. Essa disposição busca resolver antiga discussão a respeito de qual seria o papel do TCU no processo de negociação do acordo de leniência, matéria que foi objeto da IN 74/2015-TCU e também do Mandado de Segurança n. 34.031/DF, no qual o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, proferiu decisão liminar suspendendo ato do TCU que determinava à CGU o fornecimento de informações sobre acordos de leniência ainda em negociação.
Não obstante sejam louváveis os propósitos do acordo de cooperação técnica, há ainda o desafio de conciliar posições, competências e atuações dos diversos atores institucionais relacionados aos acordos de leniência. Em um cenário no qual o MPF não integre o regime de cooperação proposto, algumas das intenções do acordo de cooperação, tais como a segurança jurídica e a colaboração interinstitucional, podem ser prejudicadas na prática.
A par disso, é preciso aguardar para verificar como as ações e os princípios estabelecidos no acordo de cooperação serão aplicados na prática pelos órgãos administrativos e judiciais aos quais se destinam. Apenas a construção de uma cultura de atuação harmônica em torno dos acordos de leniência, sem decisões casuísticas e dissociadas dos propósitos da cooperação, conferirá previsibilidade e segurança jurídica às empresas que se dispõem a colaborar com o Estado Brasileiro.