Jornada de Direito Administrativo: Série de comentários sobre os enunciados aplicáveis ao setor da Construção e Infraestrutura
*Por Davi Madalon Fraga e Luciana Cristina de Jesus Silva
As Jornadas do Conselho Federal de Justiça são muito conhecidas para o Direito Civil, Processual Civil, Comercial e Prevenção de Litígios. Mas, pela primeira vez, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal promoveu, entre os dias 3 e 7 de agosto, a I Jornada de Direito Administrativo.
A organização dos trabalhos dá-se por ampla divulgação à comunidade jurídica, de modo que qualquer operador submete uma proposta de interpretação de um problema jurídico existente e que cause dúvidas nos demais intérpretes (“enunciado”).
O CFJ seleciona enunciados para discussão nas Comissões de Trabalho, que, neste ano, se dedicaram à identificação dos problemas em áreas como função administrativa, responsabilidade do Estado, desapropriação, organização administrativa, resolução de controvérsias, processo administrativo, concessões e parcerias público-privadas, licitações e contratos administrativos, regulação, consensualidade e controle da Administração Pública.
Uma vez que o enunciado é aprovado, o proponente é convidado a compor os Grupos de Trabalho, os quais discutem os enunciados, propõem ajustes e votam aqueles que pretendem submeter à Plenária, composta por todos os proponentes convidados a participar do evento. Os enunciados mais votados são submetidos a voto individual e, uma vez aprovados, se consolidam nos Enunciados do Conselho Federal de Justiça.
O evento é plural e democrático e neste ano, em função dos impactos do COVID-19, foi realizado na modalidade virtual e certamente será um marco para a discussão do Direito Administrativo.
Ao longo das próximas semanas, o Aroeira Salles tratará de parte desses enunciados que dialogam com as matérias de atuação do escritório, em especial no setor de Construção e Infraestrutura, com comentários sobre suas possíveis aplicações.
Para iniciar essa série de posts, trazemos dois importantes enunciados relacionados à gestão contratual e formas de se interpretar relevantes dispositivos dos contratos celebrados pela Administração Pública.
Atrasos de pagamento e suspensão das obras
O primeiro deles, de número 6, consignou que “[o] atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração Pública autoriza o contratado a suspender o cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação, mesmo sem provimento jurisdicional”.
Trata-se de interpretação do art. 78, XV, da Lei Federal n. 8.666/1993, segundo o qual é causa de rescisão contratual a favor do particular contratado o atraso de pagamento por prazo superior a 90 dias. Como prevalece no Direito a máxima “quem pode o mais, pode o menos”, se é facultado ao particular a rescisão contratual, também lhe seria permitida a suspensão das atividades contratuais. Até mesmo porque, o próprio dispositivo legal, em sua parte final, faculta “ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação”.
Contrário senso, contudo, parte da jurisprudência vinha sustentando o entendimento de que esse permissivo dependeria de autorização judicial ou anuência da Administração Contratante, gerando insegurança aos particulares contratados para o exercício do direito que lhes é legalmente assegurado. Mas a óbvia contradição dessa assertiva tem conduzido à construção de posicionamentos mais sólidos, como esse indicado no enunciado n. 6.
Natureza privada dos contratos celebrados pelas empresas estatais
Na seara dos contratos celebrados pelas empresas estatais, o enunciado n. 17 indicou que “[o]s contratos celebrados pelas empresas estatais, regidos pela Lei n. 13.303/16, não possuem aplicação subsidiária da Lei n. 8.666/93. Em casos de lacuna contratual, aplicam-se as disposições daquela Lei e as regras e os princípios de direito privado”.
Assim, consolida-se, cada vez mais, o entendimento de que os contratos celebrados entre empresas estatais – sejam elas públicas ou de economia mista – são de natureza privada, e, portanto, devem reger-se pelas normas do direito civil em detrimento dos princípios da Lei Federal n. 8.666/1993.